sexta-feira, 1 de abril de 2011

Amora <> Portugal

Ano III
Boletim Mensal Nº 35
Abril / 2011
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Os Confrades da Poesia

Amora <> Portugal
BOLETIM MENSAL Nº 35
Abril / 2011
17

“contos”
CICLOS


Isabel C.S.Vargas

O funcionamento de todo ser em desenvolvimento, a princípio, parece ser o mesmo. Crescer, descobrir o mundo,

deixar-se descobrir pelos outros, experimentar possibilidades, encantar-se com as descobertas que abrem inúmeras

possibilidades, mas que ao mesmo tempo, excluem outras. Não deveria ser assim, pois o sol não exclui a lua nem as

estrelas. O dia não exclui a noite e ambos aceitam a chuva e os ventos, fugindo da rotina e aceitando as mudanças que

com eles advêm. Generosamente, compartilham espaços, olhares, encantamentos daqueles que tem olhos de ver,

coração à flor da pele e alma cigana que é capaz de estar em todo lugar, que não tem território próprio porque todo

território é seu.

É possível crescer em várias direções; para o alto buscando o céu, para o lado espalhando galhos que são braços,

que protegem e abraçam de maneira carinhosa e acolhedora, para baixo fincando fortes raízes que se firmam dando

suporte a tudo aquilo que está acima da terra e abaixo do céu (ou além dele), à vista dos olhos, ao alcance do olfato

apurado capaz de distinguir cheiro de chuva molhada, de fruto maduro, de flor desabrochando; ouvidos afinados que

ouvem o canto do sabiá, do bem-te-vi e do beija-flor que plana no ar, leve como os pensamentos inocentes e puros

das crianças.

Toda a existência cresceu dentro daquilo que era esperado, proporcionando segurança, proteção, aconchego, alegria

e sombra sob a qual repousaram corpos cansados e mentes sonhadoras que ali, a seus pés, arquitetaram idéias,

sonhos que ganharam o mundo em cada tentativa desafiadora ou conquista obtida.

Teve espinhos que cutucaram (é para isto que servem, para desinquietarem, despertarem) cumprindo seu papel, mas

também teve em si anjos que abençoaram, braços e abraços repletos de ternura e de alegria com os balanços das

crianças que sustentou fortemente.

Apesar de não ser mais criança, alimentou a dúvida e o questionamento que é a mola propulsora de quem não se

conforma com as frases feitas, os cenários estanques, os sentimentos enquadrados em moldes pré-determinados e

com o futuro sendo resultado de uma imutável operação matemática.

A experimentação, o desafio do novo significa a janela que mostra novos horizontes e o caminho para experimentar

novos modos de vida, que poderão até não se constituírem naquilo que é esperado, ou no vislumbrado, mas que

servirão para mostrar o que vale a pena. Nesta etapa do percurso surgem as dúvidas, as incertezas, face à

internalização dos conceitos que constituíram o sujeito e a vontade de arriscar-se para descobrir novos ensinamentos,

novas finalidades, não ignorando durante a trajetória a presença constante de um superego controlador ou a culpa por

abandonar velhos paradigmas que representam ensinamentos aprendidos como dogmas, mas que nos dias de hoje já

não possuem o mesmo significado.

É necessário ter o olhar bem mais além da linha do horizonte, querendo sempre transpor barreiras, desafiando o já

dito e questionando o costume, a norma, o construído, o sentido (nas entrelinhas, no visível e no não dito, em outros

dizeres que permeiam o caminho e que podem se constituir em novos saberes) criando novos desafios e novos espaços

de experimentação. Este percurso pode mostrar o medo, instalar a dúvida do caminho a ser trilhado, desejando

retornar a territórios conhecidos, identificados que apresentam características de normalidade, de estabilidade, de

segurança, numa total contradição entre a segurança do conhecido e as inúmeras perspectivas do inexplorado.

Nesta trajetória-espaço, tempo - de ser e não ser, de subir e chegar às nuvens ao mesmo tempo em que aprofunda

raízes, de crescer e se deixar podar, de viver e de morrer, de ser árvore frondosa ou rio que corre e não deita raízes, é

capaz de (mesmo com o coração partido, a seiva a sangrar) deixar-se cortar, para em cada labareda da chama da vida

ou do fogo ardente e gélido da morte que acompanha o homem por toda a eternidade, esquentar os corações, virar

fumaça que sobe para voltar em gotas de chuva que regam as sementes que tornarão a brotar num ciclo interminável

de vida, doação, morte e renascimento.

Enquanto isto, outro tipo de raiz, não aquela plantada no solo, mas a que é plantada no coração daqueles que

servimos permanece viva, nutrindo o espírito que se eleva por entre as nuvens, as quais é possível ver de outra dimensão.
Publicado em 01.04.2011

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