NAÇÃO CRIOULA E A TEORIA DE BAKHTIN
RESENHA
por Isabel C.S. Vargas
Nação Crioula de autoria de José Eduardo Agualusa, autor nascido em Angola com
amplo conhecimento daquela realidade e profundo interesse pela realidade brasileira,
mostra o romance que ocorreu no século XIX entre Fradique Mendes, um aventureiro
português e Ana Olímpia Vaz de Caminha, uma figura capaz de enriquecer qualquer
narrativa pela vida cheia de situações diferentes e antagônicas, pois embora nascida
escrava foi uma das mulheres mais ricas e poderosas daquela região africana de cultura
portuguesa, ou seja, Angola.
É importante ressaltar que Fradique Mendes é um personagem de Eça de Queirós que
Agualuza tomou por empréstimo para personagem central de seu romance incluindo
na sua narrativa o próprio Eça de Queirós. Misturam-se personagens e pessoas reais.
A história se desenrola entre 1868 a 1900 e é contada através das cartas trocadas por
Fradique Mendes e sua madrinha, Madame Jouarre, entre ele e Ana Olímpia e com Eça
de Queirós.
Nas cartas relata seu trânsito entre personagens ricos, pobres, do clero, malfeitores,
passando por situações inusitadas desde sua chegada em Angola, sua, às vezes,
turbulenta permanência, o encontro casual com Ana Olímpia, por quem de imediato
nutre um sentimento especial e todo o suspense – poderia dizer drama – que envolve
sua amada até poder libertá-la para com ela viver.
Fradique não tem um trabalho, vive da mesada que sua madrinha lhe envia, mesmo
assim tem uma vida de regalias em Angola. As cartas narram os episódios ocorridos em
Angola de 1868 a 1876. Posteriormente, viaja para Pernambuco naquele que talvez
fosse o último navio negreiro da época, o NAÇÃO CRIOULA, para fugir de seus
perseguidores e de Ana Olímpia, pois suas vidas corriam perigo.
A partir daí suas missivas são de Olinda para onde se transferem, a princípio, para casa
de amigos e, mais tarde, para uma propriedade que adquire na Bahia onde passa a viver
de forma abastada reproduzindo a vida de muitos senhores com quem tivera contato em suas andanças, com escravos e bens. Lá tem uma
filha, mas não permanece no Brasil. Posteriormente, vai para a França, onde morre.
Ana Olímpia e a filha Sophia fazem o caminho de volta para África.
O romance termina com uma carta de Ana Olímpia a Eça de Queirós onde ela relata a sua história.
A DIALÓGICA DE BAKHTIN E O DISCURSO ROMANESCO
As imagens romanescas fundamentais são representações dialogizadas interiormente - das
linguagens de outros, dos estilos, das concepções de mundo. (BAKHTIN, 1988, p.367) “Todo
romance, em maior ou menor escala, é um sistema dialógico de imagens” (BAKHTIN, p..371). No
seu processo de surgimento e desenvolvimento inicial a palavra romanesca refletiu a antiga luta de
tribos, povos, culturas e línguas, ela era uma ressonância completa dessa luta (BAKHTIN, p 371).
Bakhtin contrapõe-se aos seus contemporâneos que colocavam os personagens como aqueles de
uma fotografia, isto é, numa cena muda. É a linguagem o campo potencial de representação das
tensões sociais, inclusive as provocadas pelo desajuste entre produção social e apropriação privada
(MACHADO, p.284).
Bakhtin começou seus estudos sobre Dostoievski com seu romance polifônico que foi o núcleo dos
estudos de Bakhtin.
Para Bakhtin o “romance é um texto característico de um estágio na história da consciência não
porque indica a descoberta do EU, mas porque manifesta a descoberta do outro pelo próprio EU”
(M.HOLQUIST, 1990:75, apud MACHADO, p.286).
O romance é multiforme e inacabado e mostra em si vários discursos, gêneros e linguagens. Bakhtin
não acreditava que princípios canônicos rígidos pudessem dar conta de todos os aspectos
multiformes do romance e resultar numa poética consistente.
Para ele o caráter épico do romance situa-se no uso da voz, que Bakhtin estudou nos procedimentos
de transmissão do discurso de outrem, do discurso bivocalizado e do romance polifônico
(MACHADO, p.288).
Vamos citar três particularidades fundamentais que distinguem o romance de todos os gêneros restantes, segundo Bakhtin:
1. A tridimensão estilística ligada à consciência plurilíngüe que se realiza nele; 02
eisFluências Junho 2012
2. Transformação radical das coordenadas temporais das representações literárias do romance;
3. Nova área de estruturação da imagem literária no romance, justamente a área de contato máximo com o presente
(contemporaneidade) no seu aspecto inacabado (BAKHTIN, 1988, p.404).
Os aspectos acima citados estão ligados entre si e refletem a mudança da sociedade patriarcal e fechada em direção às novas condições de
relações internacionais e de ligações interlingüísticas, que podemos dizer ocorreu não só na Europa no século passado, mas continua
ocorrendo permanentemente, com o desvelamento, se assim se pode chamar de outras culturas, pelo processo midiático global cada vez
mais intenso.
Terminou o período da “coexistência surda e fechada das línguas nacionais”. (BAKHTIN, 1988, p.404)
O romance se formou e se desenvolveu nas condições de uma ativação aguçada do plurilingüismo exterior e interior. Esse é o seu elemento
natural. É por isto que o romance encabeçou o processo de desenvolvimento e renovação da literatura no plano lingüístico e estilístico
(BAKHTIN, 1988, p.405).
O romance, anteriormente identificado com gêneros inferiores não mais é assim considerado.
O romance está ligado aos elementos do presente inacabado que não o deixam enrijecer, permitindo sua permanência e adequação ao
tempo e espaço. Esta contemporaneidade, entretanto não exclui a narrativa do passado.
O romance mantém estreita relação com os gêneros extraliterários-a vida corrente e a ideologia. (BAKHTIN, p.422)
O romance, em sua evolução, passou a retratar tanto um sermão, quanto um tratado filosófico, quanto questões políticas ou, ainda,
questões íntimas, interiores, através de cartas, diários e bilhetes. Entra em relação com o acontecimento que está se desenvolvendo agora,
no qual o leitor também está ligado de maneira substancial.
Para concluir, vamos às conclusões de Bakhtin sobre o romance:
1. O romance tem caráter inacabado;
2. Se formou no processo de destruição da distância épica, no abaixamento do objeto da representação artística ao nível de uma realidade
atual, inacabada e fluída;
3. Com ele se originou o futuro de toda literatura;
4. É acanônico. É um gênero que eternamente se procura, se analisa e que reconsidera todas as suas formas adquiridas.
CONCLUSÕES
O romance Nação Crioula de José Eduardo Agualusa mostra em seu desenrolar vários discursos, gêneros e linguagens. Nele estão
presentes as vozes dos intelectuais (inclusive pela intertextualidade óbvia com o “empréstimo” do personagem), do homem comum, do
escravocrata, do negro escravo, da mulher – escrava ou liberta.
Mostra o discurso familiar, a voz do oficial, do militar, diferente do discurso do submisso.
Apresenta as três peculiaridades anteriormente citadas, nas quais salientamos o aspecto inacabado, a tridimensão estilística ligada à
consciência plurilíngüe que se realiza nele, além da transformação radical das coordenadas temporais.
Constata-se a mudança da sociedade fechada para uma sociedade internacional, na qual os personagens têm livre trânsito e,
conseqüentemente, mantendo relações interlingüísticas.
O romance em questão apresenta em si aquelas particularidades referentes à vida corrente e a ideologia. Utilizou o autor de recursos que
os romancistas começaram a utilizar já em épocas mais evoluídas do romance, que são as cartas.
O próprio nome nos indica a amplitude do seu conteúdo, pois nação não está afeita a limites territoriais, mas sim a sentimento coletivo;
crioula nos remete à mestiçagem.
Mestiço é um outro sujeito que se constitui a partir de dois sujeitos distintos, guardando em si elementos de cada um , mas que se constitui
em uma terceira voz distinta daquelas que o formou. A partir do título já temos subentendida a polifonia de Bakhtin. Encontramos a voz
de uma África negra, uma África que se diz portuguesa, de uma Nação portuguesa colonizadora da África , que se tem superior e de um
Brasil mestiço que por vezes parece ignorar sua parcela negra.
Temos no corpo do romance, histórias, questionamentos, críticas à história, críticas sociais, dramas pessoais que espelham a dialógica de
Bakhtin e a polifonia núcleo de seus estudos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AGUALUZA, José Eduardo, Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001.
BAKHTIN, Mickhail. Questões de Literatura e de Estética. 3.ed. SP: UNESP / HUCITEC, 1998. MACHADO, Irene A. O Romance e a voz.
A prosaica dialógica de Bakhtin, Imago / FAPESP.
Isabel C. S. Vargas
Pelotas/Rio Grande do Sul/BR
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Biografia da Autora
Isabel C.S.Vargas, é professora, advogada, aposentada no serviço público, jornalista, Especialista em
Linguagem Verbal, Visual e suas Tecnologias, com cerca de trezentas publicações no Diário da Manhã-
Pelotas RS; Publicações na Revista Eletrônica Lápis e Luz, no Varal do Brasil (Suíça), do Clube dos
Autores;Publicação acadêmica na Biblioteca on-line de Comunicação Social em Portugal, na Universidade
Leste de Minas Gerais e no Jornal A Página- Portugal. Participa das Antologias on line da CBJE, além de
mais uma centena de publicações em livros.Participou de Antologias Brasileiras lançadas na Argentina,
na França, Portugal e Suíça bem como de Antologias editadas na Argentina em 2011 e 2012. Recebeu
diversas premiações, menções honrosas, destaques em crônica, contos e poesia. Prefaciou obras para a
Editora Celeiro de Escritores, além de revisão literária. Participante de e-books da Editora Beco dos Poetas
e Escritores, ganhadora do Prêmio Literário Alda do Nascimento Sena,pela publicação de livro a solo
PEDAÇOS DE MIM.
Seu site: .
www.isabelcsvargas.com
www.isabelcsvargas.com eisFluências Junho 2012
03
Poesia de Isabel C. S. Vargas
Rumo Certo
Isabel C S Vargas
Água pura e cristalina,
Em teu curso irreversível,
Lições de vida me passas.
Calma,
Persistência,
Tenacidade
Transparência,
Voltar atrás,
Não te é permitido.
Inexorável segues em frente.
Como tu,
Devo meu curso seguir.
E, nesse percurso sem retorno,
De rumo certo e previsível,
Minhas dores ir sossegando
Para meu espírito aliviar,
Crescer e se purificar
Para no derradeiro encontro
Muita paz ofertar.
Anoitecer
Isabel C S Vargas
Com sofreguidão, vai o sol
Lentamente se recolhendo,
Em suaves e gentis movimentos
Para não macular a beleza alva da lua.
Espalha, suavemente, seu brilho sobre a paisagem
Onde as nuances coloridas da água
Destacam a mansidão do momento,
De plena comunhão da natureza,
Com a harmoniosa convivência dos diferentes,
Que do alto de sua magnitude
Nos emprestam lições de humildade
De respeito, tolerância e amor
Indicando que o equilíbrio é o caminho certo
Para obtenção da paz e felicidade na vida.
http://eisfluencias.ecosdapoesia.org/eisfluencias_junho_2012_3_17.pdf
Desde 2006 que mantenho o blog PENSAMENTOS DISPERSOS(http://www.isabelcsvargas.blogspot.com ou www.isabelcsvargas.com) onde estão colocados todos os textos que escrevi e que foram publicados em inúmeros sites bem como em jornais e livros(Coletâneas, Antologias, Seletas e outros). Após mais de 200 crônicas e pelo formato antigo do blog, por motivo de adequação às novas ferramentas oferecidas, criei este blog que me ampliará as possibilidades de comunicação.
domingo, 17 de junho de 2012
Publicação na íntegra de meu texto pela Revista Eisfluências-Portugal
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